Muito além da xícara que consumimos diariamente, existe um mundo complexo que começa na semente de uma árvore frutífera. Embora existam aproximadamente 125 espécies do gênero Coffea, o mercado global é predominantemente dominado por duas delas: a Coffea arabica, conhecida como Arábica, e a Coffea canephora, popularmente chamada de Robusta. Ambas têm origens distintas no continente africano; o Arábica é nativo do sudoeste da Etiópia, enquanto o Robusta provém da região de Guiné e do Congo, na África Central.

A história da expansão do café pelo mundo é, por si só, uma saga que começou nos países árabes, passou pela Europa, onde a primeira cafeteria surgiu em Veneza, e depois se espalhou para a Ásia e as Américas. Hoje, essa jornada resultou em uma produção global massiva, com o Brasil liderando como o maior produtor mundial de Arábica, o Vietnã como o maior produtor de Robusta, e a Colômbia destacando-se na produção de Arábica lavado.
As diferenças entre Arábica e Robusta são profundas, começando em sua própria genética. O Arábica é uma planta tetraploide, com 44 cromossomos, o que contribui para sua maior complexidade sensorial, resultando em mais aroma, sabor e acidez na xícara. Já o Robusta é diploide, com 22 cromossomos, e se caracteriza por uma bebida com mais corpo, amargor e uma crema mais persistente, sendo frequentemente utilizado em blends para espresso convencional. Essa distinção genética se reflete também na composição química: o Arábica possui um teor de cafeína que varia de 1% a 1.5%, enquanto o Robusta apresenta quase o dobro, entre 2% a 3%. Fisicamente, as plantas também divergem: o cafeeiro de Arábica cresce entre 4 a 6 metros, e seus frutos (cerejas) tendem a cair quando maduros, enquanto o de Robusta pode atingir de 8 a 12 metros e segura seus frutos por mais tempo.

As exigências agronômicas de cada espécie determinam as regiões onde podem prosperar. O Arábica prefere altitudes mais elevadas, geralmente acima de 800 a 900 metros, com temperaturas amenas entre 18-22°C. Essas condições, especialmente em altitudes mais altas, resultam em um desenvolvimento mais lento do grão, favorecendo a concentração de açúcares e, consequentemente, uma maior complexidade de sabor. Por outro lado, o Robusta é mais adaptável a altitudes mais baixas, de 200 a 900 metros, e a temperaturas mais quentes, entre 20-25°C. Essa resiliência se estende à sua resistência a pragas e doenças, sendo o Robusta geralmente mais forte nesse quesito, enquanto o Arábica é mais sensível. Vale ressaltar que, além dessas duas espécies principais, outras como a Libérica e a Excelsa (reclassificada como uma variedade da Libérica) também têm seu espaço, embora menor, e são conhecidas por seus perfis de sabor distintos e exóticos.

A jornada do café, da colheita ao grão verde pronto para a torra, é uma etapa crucial que define o potencial de qualidade da bebida. Tudo começa com a colheita do fruto, a cereja do café. Existem três métodos principais: a colheita seletiva, onde apenas os frutos maduros são colhidos manualmente, um processo trabalhoso, porém essencial para cafés especiais; a não seletiva (derriça), onde todos os frutos são retirados do galho de uma vez; e a mecanizada, comum em grandes plantações. A qualidade da colheita é fundamental, pois o nível de maturação da cereja, que pode ter um teor de umidade de até 65%, está diretamente ligado à qualidade final da xícara.
Após a colheita, vem o processamento, que consiste na remoção das camadas do fruto (casca, polpa, mucilagem e pergaminho) para chegar à semente, o grão de café. Os métodos de processamento influenciam diretamente o perfil sensorial. O processo Natural (ou seco) é o mais antigo e consiste em secar a cereja inteira, resultando em cafés com acidez mais baixa, mais corpo, alta doçura e notas frutadas intensas. O processo Lavado envolve a remoção da casca e da polpa, seguida pela fermentação em tanques de água para remover a mucilagem antes da secagem. Este método tende a produzir cafés com acidez mais alta, corpo mais leve e uma bebida mais "limpa", com notas cítricas e florais. Entre esses dois extremos, temos o processo Cereja Descascado ou Honey, onde a casca é removida, mas parte ou toda a mucilagem (o "mel") é mantida durante a secagem, criando um perfil de sabor intermediário, com boa doçura e acidez equilibrada. A secagem, seja em terreiros suspensos ou pátios, é uma fase delicada; se malconduzida, pode gerar sabores indesejados de fermentado, mofo ou terra. O objetivo é atingir um teor de umidade ideal, em torno de 11 a 12%.

Uma vez seco, o café passa pelo beneficiamento, onde o pergaminho é removido e os grãos são classificados. A classificação do café verde é um sistema fundamental para o comércio, servindo como uma linguagem universal entre produtores e compradores. Essa avaliação considera diversos fatores, como a origem, variedade, altitude, método de processamento, tamanho do grão (peneira) e, crucialmente, a ausência de defeitos. Os defeitos, que podem surgir em qualquer etapa, desde o campo até o armazenamento, são classificados em duas categorias. A Categoria 1 inclui defeitos graves como grãos pretos, azedos (sour) ou danificados por fungos, que impactam negativamente e de forma direta a qualidade da bebida. A Categoria 2 abrange defeitos de menor impacto, como grãos quebrados, imaturos ou conchas. A presença desses defeitos é quantificada para determinar a qualidade e o valor do lote de café. Compreender essa complexa cadeia, desde a botânica e a agronomia até as nuances do processamento e da classificação, nos permite apreciar ainda mais cada xícara de café, reconhecendo o imenso trabalho e conhecimento contidos em cada grão.

